Foi publicado no Diário da República paracer do Conselho Nacional de Educação sobre o Concurso especial para o acesso ao ensino superior dos titulares dos cursos profissionais e cursos artísticos especializados.
SUMÁRIO
Acesso ao
ensino superior dos titulares de cursos profissionais e artísticos
especializados
TEXTO
Parecer n.º
3/2019
Concurso
especial para o acesso ao ensino
superior dos titulares dos cursos profissionais e cursos artísticos
especializados
Preâmbulo
No uso das
competências que por lei lhe são conferidas e nos termos regimentais, após
apreciação do projeto de Parecer elaborado pelo relator Pedro Lourtie, o
Conselho Nacional de Educação, em reunião plenária de 29 de abril de 2019,
deliberou aprovar o referido projeto, emitindo assim o seu primeiro Parecer do
ano de 2019.
A matriz do
sistema de acesso ao ensino superior, o regime geral, tem mais de duas décadas.
O seu tronco central é constituído por concursos de acesso aos cursos de
licenciatura e de mestrado integrado, a saber: o concurso nacional, para a
generalidade dos cursos do ensino superior público; os concursos
institucionais, para os cursos de ensino superior privado; e os concursos
locais, para alguns cursos de ensino superior público cujas especiais
características justificam que a candidatura aos mesmos seja realizada
localmente pela respetiva instituição de ensino superior.
Para além
deste tronco central, existem os regimes especiais, destinados a candidatos com
condições pessoais específicas, e concursos especiais, para candidatos com
condições habilitacionais específicas, cujo elenco tem vindo a ser aumentado ao
longo do tempo.
O regime geral
está organizado na perspetiva do acesso dos candidatos habilitados com os
cursos científico-humanísticos do ensino secundário. Aos estudantes que
concluem os cursos profissionais e os cursos artísticos especializados, que
queiram aceder ao ensino superior, tem sido exigida a realização dos exames
nacionais de matérias dos cursos científico-humanísticos que não cursaram.
Estes estudantes têm, assim, de estudar por si próprios estas matérias ou
recorrer a apoios privados, com os custos inerentes, tornando esta situação
socialmente discriminatória.
O aumento da
frequência dos cursos profissionais e artísticos especializados, verificada nos
últimos anos, coloca uma pressão acrescida para que estas não sejam
consideradas apenas como vias terminais do ensino secundário e marginais
relativamente ao prosseguimento de estudos de licenciatura ou de mestrado
integrado. É a esta questão que o projeto de decreto-lei em apreço vem dar uma
resposta, através da criação de um novo concurso especial.
A questão que
se coloca no presente parecer é a da adequação desta via e da forma como está
prevista nos princípios em que se deve basear o acesso ao ensino superior.
Nos termos da
Constituição da República Portuguesa (1) "todos têm direito ao ensino com
garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito
escolar" e compete ao Estado "garantir a todos os cidadãos, segundo
as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino [...]". A
Lei de Bases do Sistema Educativo determina (2) que "têm acesso ao ensino
superior os indivíduos habilitados com o curso do ensino secundário ou
equivalente que façam prova de capacidade para a sua frequência" e que
"o Estado deve criar as condições que garantam aos cidadãos a
possibilidade de frequentar o ensino superior, de forma a impedir os efeitos
discriminatórios decorrentes das desigualdades económicas e regionais ou de
desvantagens sociais prévias".
Considerando
que os cursos profissionais e artísticos especializados são vias de frequência
do ensino secundário em que o prosseguimento de estudos deve ser igualmente uma
opção normal, o sistema de acesso ao ensino superior deveria ser repensado de
forma ter em conta a diversidade de formações oferecidas no ensino secundário e
não como um sistema de acesso para os habilitados com os cursos
científico-humanísticos a que os demais se devem adaptar. Esta perspetiva
implica uma reflexão aprofundada do sistema de acesso, do seu impacto nas
instituições do ensino superior e no ensino secundário, em articulação com as
alterações previstas para o ensino secundário, designadamente as que constam do
"Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória". E obrigará
certamente a alterações que, pela sua profundidade, requerem que os alunos do
ensino secundário conheçam, à entrada deste ciclo de estudos, a forma como
poderão vir a aceder ao ensino superior, pelo que não pode ser introduzida a
curto prazo.
Na
impossibilidade de implementar já no próximo ano letivo uma alteração de maior
ambição do sistema de acesso ao ensino superior e tendo em conta que é
imperativo dar no imediato uma resposta mais justa aos titulares dos cursos
profissionais e dos cursos artísticos especializados do ensino secundário, a
solução aditiva dos concursos especiais é uma resposta adequada. Esta foi a via
anteriormente adotada para os habilitados com diploma de especialização
tecnológica ou com diploma de técnico superior profissional ou, ainda, para os
titulares de outros cursos superiores, incluindo o acesso de licenciados ao
curso de Medicina, e o acesso para estudantes internacionais.
Os concursos
especiais para os titulares de cursos profissionais e de cursos artísticos
especializados previstos no projeto de decreto-lei, têm, relativamente aos
demais concursos especiais regulados pelo Decreto-Lei n.º 113/2014, de 16 de
julho, excetuado o acesso de estudantes internacionais, a particularidade de os
candidatos poderem concorrer com a idade formal de conclusão do ensino
secundário. Os demais concursos especiais preveem o acesso de maiores de 23
anos ou de titulares de habilitações pós-secundárias ou superiores, o que
significará normalmente uma maior maturidade e ou uma escolaridade mais longa
do que os 12 anos de ensino básico e secundário.
O projeto de
decreto-lei introduz, para os concursos especiais de acesso dos titulares dos
cursos profissionais e dos cursos artísticos especializados, alterações ao
articulado do Decreto-Lei n.º 113/2014 com as seguintes características:
Contrariamente
aos demais concursos especiais, as vagas sobrantes não podem reverter para
outras modalidades de acesso (artigo 25.º, n.º 5);
A fixação de
vagas num par instituição/curso implica a fixação de vagas para todos os cursos
da mesma área de educação e formação a três dígitos (artigo 14.º, n.º 2);
A fixação das
áreas de educação e formação que facultam a candidatura a cada licenciatura e
mestrado integrado depende do elenco previamente fixado pela Comissão Nacional
de Acesso ao Ensino Superior (artigo 13.º-B, n.º 1);
A realização
de "provas teóricas e ou práticas de avaliação dos conhecimentos e
competências consideradas indispensáveis ao ingresso e progressão no ciclo de
estudos a que se candidata" [artigo 13.º-C, n.º 1, alínea c)];
A
valorização, em pelo menos 30 %, da Prova de Aptidão Profissional, no caso dos
cursos profissionais, ou da Prova de Aptidão Artística, no caso dos cursos artísticos
especializados, e da Formação em Contexto de Trabalho, em ambos os casos
(artigo 13.º-C, n.º 2);
A homologação
pela CNAES das condições de acesso e ingresso fixadas pelas instituições de
ensino superior (artigo 13.º-C, n.º 3);
A ponderação
na "avaliação periódica das instituições de ensino superior e dos seus
ciclos de estudos" do "progresso e aproveitamento escolar dos
estudantes que ingressam através dos concursos especiais durante o respetivo
ciclo de estudos" [artigo 22.º, n.º 1, alínea b)].
O decreto-lei
não define os princípios a que deverá obedecer a fixação pela Comissão Nacional
de Acesso ao Ensino Superior do elenco de áreas de educação e formação que
facultam a candidatura a cada licenciatura e mestrado integrado, sendo certo
que o elenco fixado poderá ter implicações na maior ou menor facilidade de
integração dos estudantes nos cursos superiores.
É relevante a
inclusão da valorização obrigatória das Provas de Aptidão nos critérios de
avaliação da capacidade para a frequência, dado tratar-se de uma prova avaliada
por um júri com participação externa à escola frequentada.
O decreto-lei
não define limites para a fixação das vagas para o acesso a licenciaturas e
mestrados integrados através destes concursos especiais, a serem definidas em
sede de portaria de fixação de vagas, mas é expectável que sejam fixadas como
uma percentagem das vagas para o Regime Geral, para além das já fixadas para os
demais concursos especiais.
O acesso ao
primeiro ano de cursos de ensino superior de estudantes titulares de cursos
profissionais e artísticos especializados suscita a questão da capacidade de
integração destes estudantes em cursos desenhados com base no perfil dos alunos
oriundos dos cursos científico-humanísticos. A coexistência de estudantes com
uma formação prévia diferenciada, mais académica ou mais prática, requer um
esforço de homogeneização da formação no início do seu percurso no ensino
superior, por forma a criar idênticas condições de sucesso.
Tendo em
conta a necessidade de uma atitude proativa por parte das instituições de
ensino superior no sucesso da integração destes estudantes recomenda que, como
é afirmado no preâmbulo do decreto-lei, a adesão a estes concursos especiais
seja voluntária durante a fase experimental. A transformação em obrigatória
requer que os planos de estudos dos cursos em que se integram os estudantes
titulares dos cursos profissionais e dos cursos artísticos especializados sejam
adaptados e avaliados no processo de acreditação.
O esforço de
integração dos estudantes titulares de cursos profissionais e artísticos
especializados, mantendo-se os atuais planos de estudos dos cursos superiores,
implica a introdução, por parte das instituições de ensino superior, de medidas
de apoio ao seu sucesso. Estas medidas poderão incluir módulos complementares,
propedêuticos, de matérias essenciais ao acompanhamento dos planos de estudos e
que não foram cursadas nos respetivos cursos secundários ou, sendo o número
destes estudantes muito reduzido, de apoio de tutoria nessas matérias.
No entanto,
sobretudo no caso de existir um número significativo de estudantes titulares de
cursos profissionais e artísticos especializados a frequentar os cursos
superiores, poderá ser considerada a inclusão, no início do curso, de unidades
curriculares em alternativa em função do perfil de formação anterior, dos
cursos profissionais e artísticos especializados ou dos cursos
científico-humanísticos do ensino secundário. Estas alterações poderão ter
características que as enquadrem na alínea b) do n.º 1 do artigo 76.º-B do
Decreto-Lei n.º 65/2018, o que obrigaria a um procedimento de acreditação pela
Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, que induziria custos
para as respetivas instituições de ensino superior e não poderia ser concluído
a tempo do acesso no ano letivo 2019/2020.
A necessidade
de introduzir mecanismos de apoio à integração destes estudantes tem
implicações nos custos para as instituições de ensino superior que, no caso das
instituições públicas cujos orçamentos têm já fortes limitações, não tem
contrapartida em receitas próprias.
Assim,
formula-se o seguinte parecer:
1 - Os
princípios em que se deve basear o acesso ao ensino superior e o aumento da
frequência dos cursos profissionais e dos cursos artísticos especializados
justificam a criação de uma solução de acesso que evite que os titulares destas
habilitações sejam obrigados a realizar provas de matérias que não constam dos
seus planos curriculares;
2 - A
consideração do acesso ao ensino superior dos titulares dos cursos profissionais
e dos cursos artísticos especializados como normal requer uma alteração
profunda do sistema de acesso, incompatível com uma resposta a curto prazo;
3 - Enquanto
não for possível efetuar uma alteração profunda do sistema de acesso ao ensino
superior, que considere os cursos profissionais e os cursos artísticos
especializados como habilitação normal de acesso ao ensino superior, a forma
mais adequada de introdução do acesso destes estudantes é por via dos concursos
especiais;
4 - É
relevante a valorização obrigatória da Prova de Aptidão e da Formação em
Contexto de Trabalho na avaliação da capacidade para a frequência;
5 - A
elaboração, pelas instituições de ensino superior, das provas de avaliação de
conhecimentos e competências deve atender ao perfil de formação dos estudantes
oriundos do ensino profissional e ou artístico especializado, não reproduzindo,
simplesmente, o modelo tradicional das provas de acesso ao ensino superior;
6 - A fixação
pela Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior do elenco de áreas de
educação e formação que facultam a candidatura a cada licenciatura e mestrado
integrado deve obedecer a critérios de prudência e progressivo alargamento em
função do sucesso escolar no ensino superior dos estudantes titulares dos
cursos profissionais e dos cursos artísticos especializados;
7 - A
introdução destes concursos especiais em regime experimental deve ter um
horizonte temporal limitado, de 4 ou 5 anos, e devem ser avaliados os
resultados do seu funcionamento e o impacto na frequência dos cursos técnicos
superiores profissionais;
8 - Durante o
processo experimental dever-se-á manter a adesão voluntária aos concursos
especiais previstos no projeto de decreto-lei e ter em conta, na fixação das
vagas, a capacidade de integração dos titulares dos cursos profissionais e dos
cursos artísticos especializados nos cursos superiores;
9 - As
instituições de ensino superior que venham a adotar estes concursos especiais
como via de acesso à sua oferta de licenciaturas e mestrados integrados, tendo em
conta a diferença de perfil dos titulares dos cursos profissionais e dos cursos
artísticos especializados relativamente aos titulares dos cursos
científico-humanísticos, poderão ter de adotar medidas de apoio à sua
integração nos respetivos planos curriculares;
10 - Às
condições de acesso e ingresso, a fixar pelas instituições de ensino superior e
a homologar pela CNAES, deverão ser acrescentados os mecanismos de integração
destes estudantes no que se refere à adequação da sua formação ao cumprimento
do plano de estudos do curso em que ingressam;
11 - A serem
necessárias alterações aos planos curriculares dos cursos de licenciatura e
mestrado integrado, designadamente no primeiro ano curricular, para criar as
condições de integração e sucesso escolar dos estudantes oriundos dos cursos
profissionais e dos cursos artísticos especializados, a sua concretização
deverá ser considerada como não alterando os objetivos dos cursos e, como tal,
enquadradas na alínea a) do n.º 1 do artigo 76.º-B do Decreto-Lei n.º 65/2018;confe
12 - O
Conselho Nacional de Educação propõe-se continuar a reflexão sobre o sistema de
acesso ao ensino superior numa perspetiva de longo prazo, tendo em conta os
princípios de justiça e equidade e, designadamente, os preceitos
constitucionais e de direito internacional, elaborando uma recomendação sobre o
assunto.
Artigo 74.º
(Ensino).
Artigo 12.º
(Acesso).
29 de abril
de 2019. - A Presidente, Maria Emília Brederode Santos.
Declaração de
Voto
Antes de
mais, importa lembrar que a CONFAP defende há muitos anos, pelo menos 8, que o
ensino secundário deve ser terminal e certificante, cabendo às Universidades e
Institutos Politécnicos a responsabilidade de selecionar e seriar os
candidatos, com base em requisitos e critérios previamente divulgados e
publicados, por exemplo, uma nota de classificação do ensino secundário mínima
de acesso ao curso.
Facilitar o
acesso só para alguns será equidade? Note-se que estamos a falar do acesso ao
ensino superior e não da avaliação de conhecimentos adquiridos.
Têm razão os
jovens dos Cursos Cientifico-Humanístico (CCH) quando se queixam de
discriminação e questionam porque não podem também eles realizar o acesso sem
que sejam os exames finais a determinar essa seleção.
Atente-se que
as propostas do grupo de trabalho que basearam a elaboração do DL, tem no ponto
7 a ponderação dos resultados que são bastantes diferentes dos Cursos
Cientifico-Humanísticos.
Não
questionamos que os jovens não devem ser avaliados por conhecimentos que não
lhe são ministrados. Mas se a solução é não fazer exames, então que se tenha a
coragem de responder com equidade para todos os jovens, de todas as vias de
ensino e progrida-se no sentido das propostas que a CONFAP tem vindo a apresentar,
ou outras, que efetivamente não eliminem barreiras para uns e as mantenham para
outros (note-se que é dito que se pretende justiça com esta medida).
Fica a ideia,
legitima, de que se pretende que as famílias matriculem os seus filhos no
ensino secundário profissional, preterindo os CCH. Será apenas uma preocupação
estatística, em resposta ao objetivo pretendido de pelo menos 50 % dos jovens
frequentarem o ensino profissional?
Esta medida
será de adesão voluntária para as Instituições de Ensino Superior, o que nos
faz questionar se estaremos perante o engodo de um ensino superior de segunda,
(na prática estar-se-ia a prolongar a discriminação desta via de ensino em vez
de a valorizar - dizer que todas as vias são iguais não chega). Pelo menos a
incerteza existe. Gostaríamos de ver uma aposta mais afirmativa na valorização
pela qualificação e qualidade do ensino profissional e não facilitar o acesso
para o tornar mais apelativo.
Há também a
questão por responder, se esta medida se pode aplicar aos alunos dos CCH? Se o
objetivo é equidade a resposta deveria ser afirmativa, mas não é.
Assim, é
legítimo pensar-se que a preocupação primeira é, antes de mais, a de alcançar o
objetivo de frequência do ensino profissional e a de reforçar o preenchimento
de vagas pelas Instituições do Ensino Superior que têm cursos quase vazios de
estudantes, criando mais uma alternativa de menor dificuldade para o acesso ao
ensino superior.
Poder-se-á
ainda inferir de que este pode ser um processo a testar a necessária alteração
de paradigma de acesso ao ensino superior, embora nada da informação disponível
nos indique este propósito.
Dito isto, a
CONFAP reafirma o seu propósito de colocar na agenda o debate sobre o acesso ao
ensino superior, e adianta algumas propostas para esse debate que se espera
conclusivo para a adoção de um modelo de acesso justo e equitativo para todos
os jovens, independentemente da via de ensino secundário que frequentem.
Importa a propósito referir as desigualdades existentes no acesso com
diferentes contingentes específicos, que só existem em consequência do atual
modelo de acesso.
Por esta
razão voto favoravelmente o parecer, que contempla estas nossas preocupações, e
aponta no sentido da necessidade de se refletir e alterar o acesso para todos
os cursos -
Jorge Ascenção.
"Fim do Texto"Realce a negrito é nosso.
Publicação: Diário da República n.º 117/2019, Série II de 2019-06-21
Fonte: Diário da República